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segunda-feira, 23 de março de 2009

Como uma Luva


Segue um pequeno conto.

Um tanto mais ácido do que o último que aqui postei.  
Espero agradar. e aguardo comentáriuos sobre o conto.




Como uma luva

 

- Doutor Carlos – Gritei só de sacanagem assim que o vi, sentado de gravata. De terno e gravata, sentado no sofá da sala de espera, aguardando o chefe. – tô sabendo que vai ser promovido.

- Chega aqui, aqui pertinho – Disse o Carlão, com um tom sério que nunca tinha experimentado nas suas palavras.

- O que foi rapaz? ta meio verde.

- Porra, velho. Não vai dar.

- Não vai dar porque, Carlão? Até o chefe acha que vai dar.

- Não vai dar, porra! Eu tenho medo de não me encaixar.

- Não se encaixar em quê? Você é lá homem de ter medo, Carlão?

- Você já viu gente que não se encaixa? É uma merda, uma merda de dar medo.

- Que papo é esse, Carlão, não to te reconhecendo.

- Olha ali, ta vendo ele ali? – Pergunta, apontando pra o funcionário do almoxarifado, um meninote efeminado de seus, ironicamente, 24 anos. – Ele não se encaixa. Filho de pais rígidos, surrado pelo pai desde pequeno. Criou ódio pela figura masculina. O ódio é tão grande que veja como ele vence a figura masculina. Ele coloca a figura masculina de quatro e mete-lhe um caralho no rabo, é assim que ele vence. Sabe por quê? Porque ele não se encaixa, é por isso. Não se encaixa no mundo masculino.

- Puta que pariu, cara, você ta no terror.

 

Por um minuto fez-se o silêncio. No olhar do Carlão eu via um inédito pânico. A gravata definitivamente o enforcava. O seu aspecto era de desolação. Eu pensava: Será que é verdade? Pode a neurose dele ter respaldo na realidade? Podemos vencer nossas aflições atacando a nós mesmos e matando a imagem que as provoca através de reflexos em nós mesmos? De repente me veio à cabeça uma cena. O menino do almoxarifado no parapeito de uma janela, em pé. Olhando pra uma multidão de homens caminhando em sua direção, talvez em seu salvamento, encabeçada pelo seu pai e gritando “se derem mais um passo eu me atiro lá embaixo”. O passo dado, mergulhava o corpo no ar. Porém, enquanto cortava o ar era o rosto do pai dele a experimentar todo o terror. O rosto só mudava quando atingia o chão e lá se espatifava. Tudo fez um sentido assustador. E assustador era a palavra, voltei a falar antes que começasse também a acreditar naquilo.

 

- Carlão, é a sua chance de ascensão na carreira.

- Velho, eu quero continuar fazendo a merda que eu sempre fiz. Vim aqui pelos outros. To me sentindo um merda. Buscando um cargo pra que os outros vejam. To que nem o “Homem-semblante”.

- Caralho, Carlão, quem diabos é esse “Homem-semblante”?

- Você vai vê-lo daqui a pouco. Ele vai estar na minha reunião de promoção.

- Ah, então ele é do seu setor? – Perguntei com real curiosidade.

- Ninguém sabe de que porra de setor ele é. Ele tem um cargo tão indeterminado que não dá pra ter idéia do que ele faz. Ele está em todas as reuniões. Ele carrega sempre um livro debaixo do braço, o assunto depende do semblante que ele está assumindo no momento. Quando chegou aqui era líder estudantil. Carregava livros de pensadores libertários andava sempre vestido em uma calça jeans, camisa dobrada nos cotovelos e ideais socialistas, agora anda de terno e gravata e veste uma atitude séria de executivo. Os livros mudaram para administração empresarial, gestão de negócios e outros bichos do tipo. Continua lendo pelo sovaco e jogando na nossa mesa quando vai conversar conosco. O importante é todo mundo saber quem ele é dessa vez.

- E porque “homem-semblante”?

- Porra, achei que tu fosse mais vivo. Não lembra aquela época que ele namorou uma psicóloga? Não tirava essa palavra da boca. Daí eu lancei o apelido.

- Carlão, tenho que ir. Trabalho pra fazer.

- Eu Já sei. Vou jogar tudo pra cima. Isso não é pra mim.

- Pensa bem, rapaz, pensa bem.

 

Saí dali pensando pra caralho em tudo. Quisera eu ter a mesma coragem do Carlão e jogar tudo pra cima. Quisera eu não desejar uma promoção. Quisera eu ao menos ter coragem pra dizer “Joga essa merda pra cima mesmo, cara. Sou mais você.” Mas não, saio pensando na oportunidade que ele perdeu. Saio pensando em quanto seria bom pra mim a gerência de qualquer coisa ali dentro, sento meu rabo em frente ao computador e escrevo um texto que não sai de mim, sai da empresa.

Isso me faz pensar no “homem-semblante”. Ele está sempre buscando um cargo...indefinido, mas sempre tem alguma gerência, alguma gestão. Muda com a mesma força que muda de ideais. Me vem imediatamente uma imagem à cabeça – sempre me vem uma merda de uma imagem à cabeça. Um outdoor em branco. Toda manhã eu passo por ele. Tem uma pichação feita a spray dizendo “vendo este vazio”.

 

VENDO ESTE VAZIO.

 

Em spray vermelho. Vê-se que foi escrito às pressas pelas letras trêmulas. Nunca tinha parado pra pensar no conteúdo filosófico da frase. No conteúdo de protesto da atitude de pichar um outdoor em branco com isso. Principalmente no quanto isso tinha a ver comigo, com o homem-semblante e com tudo o que o Carlão estava negando.

 

Passo pela sala de espera. Nem sinal do Carlão. Bato meu ponto e vou pra casa.

Era uma sexta-feira, o que me lembra que só retornarei à empresa na segunda.

Penso no final de semana e novamente me vem à mente a merda do outdoor.

 

VENDO ESTE VAZIO.

 

Domingo, praia, cerveja. Encontro o homem-semblante na areia. Usando uma viseira, suado, de sungão, mascando chiclete e agitando próximo à rede. Nos finais de semana ele é jogador de futvôlei.

Ele corre ao meu encontro. – Soube do carlão? – Pergunta arfando

- Não, não soube, o que foi?

- Disse pro chefe que só ficaria se fosse com o trabalho antigo, mas recebendo o valor da promoção.

- Hum, e aí?

- Aí o chefe disse que não seria possível. Ele disse que também não seria possível de outra forma.

- Porra, e aí? Deixa de mistério.

- Foi demitido. Disse que com o dinheiro da demissão vai abrir um bar.

- Saquei. Faz sentido. E o cargo?

- Eu incorporei o cargo. Agora sou Sub-Gerente comercial e gestor de eventos externos, mas também assumo as responsabilidades de gestor institucional.

 

Despedi-me sem formalidades e segui pela beira do mar. O mar molhava os meus pés enquanto a cerveja passava pela minha garganta e molhava a minha alma.

 

 

 VENDO ESTE VAZIO.

 

E tudo fazia sentido. O ciclo se fechava. E cada cargo se encaixava em quem o preenchia.

 

Como uma luva.


Ângelo Correia Pinheiro

22 comentários:

Candice Morais disse...

Uau! Fantástico!! Seus contos sempre agradam: sejam menos ou mais ácidos... Continue, meu amor!

Nem acreditei quando você mencionou o tal outdoor. O li no domingo, quando você me levou pra casa. "Aluga-se este vazio". Uma das melhores mensagens em outdoor nos últimos tempos... Genial!

Tira uma foto dele, mô. Coloca como gravura deste conto... ;)

Candice Morais disse...

Sacanagem! Erramos a frase! Nada surpreendente para a minha memória :P

Apesar da nossa atrapalhação, ainda assim, ela continua genial.

Vende-se este espaço vazio.

Amo-te!

Anônimo disse...

E já tem tempo que ele ta vazio, já até achei que era algum tipo de campanha maluca!

Anônimo disse...

Muito bom cara!!!. Parabéns e continue escrevendo assim! Analógicamente penso eu, é como a dança da cadeira, quem disse que precisa terminar a música pra poder sentar!
Abraço.

Lucas Ribeiro - Publicitário.

Portfólio | Roberto Lemos disse...

Porra man, bala.

Bom ler coisas sobre pessoas q fogem do padrão do sistema instalado.

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O brother do outdoor teve uma sacada melhor q a de qqer publicitário dessa cidade. É isso aí.

Camile Habib disse...

É isso aí, os elogios acima são poucos para o que eu acabei de ler! Amei esse conto! Me surpreendi como os livros que não consigo para antes de chegar ao final. Você está de parabéns!!!
Continue escrevendo assim, que desta forma deixarei meus livros de cabeceira, para toda noite ler seus posts!rs
beijo, amigo

Anônimo disse...

Otimo conto... o medo em cada um e o vazio q ele traz em nossas mentes nos faz pensar ou n e daí vem as reações mais supreendetes!!

Jamerson disse...

De fato a sacada do pichador foi melhor do que a média, das peças que ando vendo por aí...

Como te disse gosto do personagem Carlão. Ele transmite uma sinceridade impensada, meio sarcástica as vezes, mas fala o que pensa, e isso me agrada.

É preciso usar dessa sinceridade e coragem do Carlão para jogar pra cima essas "oportunidades" que nos surgem, que no fim só servem para nos esvaziar, para nos prender em algo que não precisamos e nem queremos ser de verdade. O fazemos apenas por os outros acham bacana.
Fazer o que gosta de verdade, seja lá o que for, é o único modo de não nos sentirmos vázios, como o outdoor. E nem sempre encontraremos alguém com uma iddeia brilhante para nos preencher.

Em relação ao texto, só tenho que lhe parabenizar. Você escreve muito bem. (E essa do homem semblante... rsrs)

Grande abraço man!

Anônimo disse...

Eu tbm queria ter a coragem do Carlão... Mas, quem sabe um dia?

Fico feliz em encontrar pessoas, que assim como eu, conseguem perceber algum conteúdo filosófico nas frases espalhadas pelas ruas! :)

Adoro seus contos, de verdade!

Elis :*

André Santos disse...

Velho, vou pro jogo sim, estou curioso!!Interessante esse seu amigo, profissional de rugby em Salvador, é prova de que conseguimos sucesso em que acreditamos. Bem, mas sabemos que não é tão simples assim, e nem da noite para o dia. Eu já ví este vazio a venda, mas n tinha nenhum contato para interessados! Talvez após a compra deva continuar vazio!! Gostei do seu blog também, da externação da sua misantropia. Abraço

Caio Marques disse...

Almejamos as coisas por vontade própria ou para exibir e agradar terceiros? Daí vem o vazio. Ótimo conto.
Sobre o livro 120 dias de Sodoma, eu não o li mas vi o filme. O filme já foi pertubador, imagino que o livro seja mais forte, ainda mais sabendo que foi escrito pelo Marquês de Sade.

Anônimo disse...

Tudo faz sentido. Pudera eu ver um outdoor desses no meu caminho... só Deus sabe as 12425892437829391821 milhões de coisas que se passariam na minha cabeça...

Ricardo Aiolfi disse...

acho legal esse tipo de texto que vem a partir de um pequeno detalhe que a gente avista.

gostei do conto xD

saudhsauidhasuidha achei hilária a descrição do carinha que apanhava do pai saiduhsauiohsaudihas

favoritei aki xD


tu trabalha com mídia? xD que área?

Ricardo Aiolfi disse...

to começando a facul de jornalismo agora (fazia outra - de jornal tbm - antes, mas larguei na metade e recomecei agora rs)

nem sei se é o que quero! tenho dúvidas. to tentando ler mais, me informar e ver mais filmes, ganhar alguma bagagem cultural rs
sinto que me falta isso.

minha escrita deve melhorar mais com o tempo.

Milla disse...

Muito bom o conto, cheio de filosofia pra quem sabe ler nas entrelinhas.
"Vendo este vazio" acaba, por fim, sendo uma frase mais forte do que se pode imaginar. Imagino então quantas pessoas não compram um vazio sem se dar conta? E pior, continuam comprando.

Obrigada pela visita, também estou te linkando ao meu blog. Gostei daqui!

Abraço!

Anônimo disse...

Poucos nessa vida - vistas as atuais circunstâncias sociais e econômicas - teriam a coragem do Carlão. Acho que no momento, eu também não teria.

Adorei o conto.
Abraços.

palosas disse...

belo conto Ângelo. Na velocidade de um trem bala, em direção à alma. Continue assim rei. Belo texto. Abraço.

Anônimo disse...

Ângelo,

Este conto faz-nos ficar ainda mais apaixonado pela blogosfera.

Seu texto é bastante profundo e ao mesmo tempo consegue transmitir a idéia inicial de "se adaptar conforme o ambiente".

Parabéns. Continue assim.

Abraços.

(Ah! Gostei da forma bem humorada como você escreve).

renato disse...

To be Carlão or to be o homem semi-semblante, that is the question. Terei eu o semblante do pai de um construtor de contos ácidos? Como disse a Candice (ou seria como dice a Candisse?), não importa o pH do seu conto, nem se o seu sonho é ácido ou alcalino. O que importa mesmo é que nem tudo não importa. Ou seja, alguma coisa importa e a gente não sabe exatamente o que é.
A propósito, do caralho as aventuras do carlão-semblante.
bj.

Unknown disse...

Parabéns, excelente conto!

May disse...

cara esse outdoor faz parte da minha decida para o trabalho todos os dias e observo com uma imaginação ???? agora ja tenho a quem pensar quando ler gostei muito ja tinha um tempinho que não acompanho seu blog e fiquei surpresa com a foto pirei estou rindo a toa vc é incrivel rs....mais o dicionario continua acompanhando seus contos rs....bjOssssss.....May e Cal

Thaiane Pugas disse...

Parabéns! Muito bem escrito o conto.

Interessante, e se a pessoa que escreveu a frase não o fez como em forma de "desabafo/protesto", mas sim por deboche ou apenas para contrariar a órdem natural dos fatos! ;)

Isso não seria novidade , quem liga?

Quase ninguém liga...

Ainda bem que existem pessoas que, mesmo em meio a vida corrida levada nas grandes metrópoles, ainda se permitem fazer reflexoções sobre coisas que simplesmente poderiam passar batidas para grande maioria.

Continua assim escoteiro, bom escoteiro! =D

Que venham mais, as boas reflexões.