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domingo, 29 de março de 2009

Paraíso diletante.


A priori, gostaria de pedir desculpas a vocês por ter deixado de postar durante quase uma semana. Enfim, não postava porque estava na semana do meu aniversário e eu estava me preparando pra estar feliz. 
Exatamente. No nosso aniversário tempos quase que uma obrigação de estarmos felizes, e eu não estava. Me preocupei muito. Atolado no trabalho, problemas a granel. Não bastasse isso, não estava feliz no meu aniversário. Que tipo de monstro eu seria? Infeliz na data do meu aniversário, quem eu penso que sou? Consegui ficar feliz. Foi uma verdadeira batalha interna que eu venci. Eis um poema que explica como:



Paraíso diletante.

Dia 27 de Março de 2009. 31 anos de idade. 
Sim, esse sou eu.

O pimentão deve ser refogado assim como as velas devem ser içadas,
assim como a isca deve ser colocada no anzol ou como a chuteira deve ser calçada.
Eu preciso estar feliz. É meu aniversário. 
O cheiro do azeite fervendo, em contato com o cogumelo shimeji e o molho shoyu, é tudo que eu preciso.

 
Cantores, atores, pintores, velejadores 
viajam todos os dias
a pontos quanto mais distante do que são,
mais próximos do que desejam.

A cebola arde nos olhos ao ser cortada
como arde nos olhos a tela do computador 
onde não sei o que escrevo
pra pessoas que não conheço.

O cheiro da carne preparada por um redator
é como o cheiro da água salgada
cortada por um engenheiro
O cheiro da felicidade real. 
Distante e real.

Içadas as velas,
Anzóis encastoados,
Bola em jogo e comida no fogo.
Meus textos, agora, são perfeitos.

O peixe na linha,
A bola na rede,
O jantar na mesa sorridente
e eu chego, no mesmo veleiro
ao meu paraíso diletante.


Ângelo Pinheiro


O ser humano precisa dia após dia do diletantismo. É uma forma de vencer a rotina.
Durante a vida, traçamos um caminho, quase sempre exatamente oposto aos nossos objetivos primordiais.

Não encarem esse poema como um poema triste. Pelo contrário. Sejamos felizes. Ainda que diletantes, sejamos felizes.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Como uma Luva


Segue um pequeno conto.

Um tanto mais ácido do que o último que aqui postei.  
Espero agradar. e aguardo comentáriuos sobre o conto.




Como uma luva

 

- Doutor Carlos – Gritei só de sacanagem assim que o vi, sentado de gravata. De terno e gravata, sentado no sofá da sala de espera, aguardando o chefe. – tô sabendo que vai ser promovido.

- Chega aqui, aqui pertinho – Disse o Carlão, com um tom sério que nunca tinha experimentado nas suas palavras.

- O que foi rapaz? ta meio verde.

- Porra, velho. Não vai dar.

- Não vai dar porque, Carlão? Até o chefe acha que vai dar.

- Não vai dar, porra! Eu tenho medo de não me encaixar.

- Não se encaixar em quê? Você é lá homem de ter medo, Carlão?

- Você já viu gente que não se encaixa? É uma merda, uma merda de dar medo.

- Que papo é esse, Carlão, não to te reconhecendo.

- Olha ali, ta vendo ele ali? – Pergunta, apontando pra o funcionário do almoxarifado, um meninote efeminado de seus, ironicamente, 24 anos. – Ele não se encaixa. Filho de pais rígidos, surrado pelo pai desde pequeno. Criou ódio pela figura masculina. O ódio é tão grande que veja como ele vence a figura masculina. Ele coloca a figura masculina de quatro e mete-lhe um caralho no rabo, é assim que ele vence. Sabe por quê? Porque ele não se encaixa, é por isso. Não se encaixa no mundo masculino.

- Puta que pariu, cara, você ta no terror.

 

Por um minuto fez-se o silêncio. No olhar do Carlão eu via um inédito pânico. A gravata definitivamente o enforcava. O seu aspecto era de desolação. Eu pensava: Será que é verdade? Pode a neurose dele ter respaldo na realidade? Podemos vencer nossas aflições atacando a nós mesmos e matando a imagem que as provoca através de reflexos em nós mesmos? De repente me veio à cabeça uma cena. O menino do almoxarifado no parapeito de uma janela, em pé. Olhando pra uma multidão de homens caminhando em sua direção, talvez em seu salvamento, encabeçada pelo seu pai e gritando “se derem mais um passo eu me atiro lá embaixo”. O passo dado, mergulhava o corpo no ar. Porém, enquanto cortava o ar era o rosto do pai dele a experimentar todo o terror. O rosto só mudava quando atingia o chão e lá se espatifava. Tudo fez um sentido assustador. E assustador era a palavra, voltei a falar antes que começasse também a acreditar naquilo.

 

- Carlão, é a sua chance de ascensão na carreira.

- Velho, eu quero continuar fazendo a merda que eu sempre fiz. Vim aqui pelos outros. To me sentindo um merda. Buscando um cargo pra que os outros vejam. To que nem o “Homem-semblante”.

- Caralho, Carlão, quem diabos é esse “Homem-semblante”?

- Você vai vê-lo daqui a pouco. Ele vai estar na minha reunião de promoção.

- Ah, então ele é do seu setor? – Perguntei com real curiosidade.

- Ninguém sabe de que porra de setor ele é. Ele tem um cargo tão indeterminado que não dá pra ter idéia do que ele faz. Ele está em todas as reuniões. Ele carrega sempre um livro debaixo do braço, o assunto depende do semblante que ele está assumindo no momento. Quando chegou aqui era líder estudantil. Carregava livros de pensadores libertários andava sempre vestido em uma calça jeans, camisa dobrada nos cotovelos e ideais socialistas, agora anda de terno e gravata e veste uma atitude séria de executivo. Os livros mudaram para administração empresarial, gestão de negócios e outros bichos do tipo. Continua lendo pelo sovaco e jogando na nossa mesa quando vai conversar conosco. O importante é todo mundo saber quem ele é dessa vez.

- E porque “homem-semblante”?

- Porra, achei que tu fosse mais vivo. Não lembra aquela época que ele namorou uma psicóloga? Não tirava essa palavra da boca. Daí eu lancei o apelido.

- Carlão, tenho que ir. Trabalho pra fazer.

- Eu Já sei. Vou jogar tudo pra cima. Isso não é pra mim.

- Pensa bem, rapaz, pensa bem.

 

Saí dali pensando pra caralho em tudo. Quisera eu ter a mesma coragem do Carlão e jogar tudo pra cima. Quisera eu não desejar uma promoção. Quisera eu ao menos ter coragem pra dizer “Joga essa merda pra cima mesmo, cara. Sou mais você.” Mas não, saio pensando na oportunidade que ele perdeu. Saio pensando em quanto seria bom pra mim a gerência de qualquer coisa ali dentro, sento meu rabo em frente ao computador e escrevo um texto que não sai de mim, sai da empresa.

Isso me faz pensar no “homem-semblante”. Ele está sempre buscando um cargo...indefinido, mas sempre tem alguma gerência, alguma gestão. Muda com a mesma força que muda de ideais. Me vem imediatamente uma imagem à cabeça – sempre me vem uma merda de uma imagem à cabeça. Um outdoor em branco. Toda manhã eu passo por ele. Tem uma pichação feita a spray dizendo “vendo este vazio”.

 

VENDO ESTE VAZIO.

 

Em spray vermelho. Vê-se que foi escrito às pressas pelas letras trêmulas. Nunca tinha parado pra pensar no conteúdo filosófico da frase. No conteúdo de protesto da atitude de pichar um outdoor em branco com isso. Principalmente no quanto isso tinha a ver comigo, com o homem-semblante e com tudo o que o Carlão estava negando.

 

Passo pela sala de espera. Nem sinal do Carlão. Bato meu ponto e vou pra casa.

Era uma sexta-feira, o que me lembra que só retornarei à empresa na segunda.

Penso no final de semana e novamente me vem à mente a merda do outdoor.

 

VENDO ESTE VAZIO.

 

Domingo, praia, cerveja. Encontro o homem-semblante na areia. Usando uma viseira, suado, de sungão, mascando chiclete e agitando próximo à rede. Nos finais de semana ele é jogador de futvôlei.

Ele corre ao meu encontro. – Soube do carlão? – Pergunta arfando

- Não, não soube, o que foi?

- Disse pro chefe que só ficaria se fosse com o trabalho antigo, mas recebendo o valor da promoção.

- Hum, e aí?

- Aí o chefe disse que não seria possível. Ele disse que também não seria possível de outra forma.

- Porra, e aí? Deixa de mistério.

- Foi demitido. Disse que com o dinheiro da demissão vai abrir um bar.

- Saquei. Faz sentido. E o cargo?

- Eu incorporei o cargo. Agora sou Sub-Gerente comercial e gestor de eventos externos, mas também assumo as responsabilidades de gestor institucional.

 

Despedi-me sem formalidades e segui pela beira do mar. O mar molhava os meus pés enquanto a cerveja passava pela minha garganta e molhava a minha alma.

 

 

 VENDO ESTE VAZIO.

 

E tudo fazia sentido. O ciclo se fechava. E cada cargo se encaixava em quem o preenchia.

 

Como uma luva.


Ângelo Correia Pinheiro

quarta-feira, 18 de março de 2009

Segunda pausa poética


Geralmente escrevo contos e crônicas. De quando em vez eu sou acometido de um temporário lirismo.

Essa noite, enquanto conversava com a minha namorada me veio à mente a metafísica e o sonho.

O ser amado, quando aparece em sonho é o ser amado?
Quão injusto é o sonho.  Criando a dois seres que se amam, uma situação que apenas um deles poderá desfrutar.
Não devo sentir culpa, por sentir tamanha felicidade?
Felicidade de amor verdadeiro na ausência total da pessoa que amo.
E mais. O meu reflexo no sonho dela é meu reflexo ou o platônico reflexo do que ela idealiza que seja eu, sendo entçao outra pessoa?

Quantas loucuras, quantas aflições românticas e metafísicas tomaram minha mente como um flash. 

Mas não.

Minha mente não era aflição, era poesia. E o flash de aflição some, virando apenas uma caldalosa idéia que dá corpo a um pensamento maior. 

Nasce o poema.



Não sonhe comigo!

 

Não sonhe comigo!

Quero de você toda a lucidez

Do toque, e toda a verdade do beijo.

Quero a tangibilidade do amor palpável.

 

Não sonhe comigo!

Quero, da maneira mais egoísta,

Todos os seus momentos de amor.

Quero corresponder a cada olhar seu.

 

Não sonhe comigo!

Quero aproveitar cada segundo contigo.

Não quero a bela metafísica

Que me faz em você longe de mim.

 

Não sonhe comigo!

Às favas com a metafísica

E com todo o lirismo da embriaguez.

Quero apenas estar presente

Sempre que estivermos juntos.



A todos, prometo retornar com um conto em breve. 


Ao meu amor. Para o meu amor. Pelo meu amor.


"Sonho que se sonha só
É só um sonho que se sonha só
Mas sonho que se sonha junto é realidade"


Prelúdio - Raul Seixas

terça-feira, 17 de março de 2009

Justificando a Misantropia


O ser humano é recorrente na "bola fora". 
Eu poderia começar aqui a fazer especulações de um existencialismo profundo, como o fato de extinguirmos os nossos recursos naturais sob o falso pretexto de estar "trabalhando pela melhoria da vida", que é o que os governos vêm fazendo dia após dia, mas não. Não quero atingir aspectos políticos ou de filosofia profunda. Não preciso de tanto. Posso ser bem mais minimalista sem desviar do objeto.

A Misantropia é uma aversão à sociedade, ao ser humano. Se fizermos uma análise sem tanto aprofundamento, sem atingir as questões políticas e existenciais supra-citadas, ainda assim podemos chegar facilmente à vergonha do ser humano. Vale ressaltar que não me refiro aqui à vergonha do "ser humano" enquanto única entidade pensante(ou nem tanto) do planeta e sim à vergonha do "ser" humano, enquanto verbo, posto que existem coisas capazes de nos mergulhar em profunda vergonha apenas pelo fato de fazer parte dessa raça.

Recalques, por exemplo, que são por demais comuns no comportamento humano, sustentam a hipocrisia. E a hipocrisia, por outro lado é o cerne da moral da nossa sociedade.
Os seres humanos que querem viver em comunhão plena com a "moral social", fazendo tudo o que convém à sociedade, tudo que é bem visto, tem, basciamente uma opção:

A) - Negar a si mesmo e a todos os seus primevos instintos, tudo que possa causar deleite, pelo bem social(que raramente é fidedigno ao bem pessoal)

Aos que resolvem ir de encontro aos ditames impostos pela sociedade, eis a opção segunda:

B) - Agir da maneira que quer, transgredindo as normas sociais - cuja regulamentação não é prevista por lei, mas as sanções dela advindas são quase, ou mais, assustadoras quanto as legislativas - sabendo que corre o risco(quase certo) de ser mal visto por todos.

Bom. Em verdade, verdade mesmo, nenhum de nós está disposto a seguir fielmente nenhuma das duas propostas acima, daí seguem afluentes naturais, porém terminantemente inconfessos, do comportamento humano:

C) - Fingir adequação às normas sociais, reprimindo desejos e ações que são a si prazerosos. Dessa forma criando recalques terríveis. Recalcando em si o que de si é próprio e mergulhando o seu humor em copiosa e constante acrimônia.

D) - Hipocrisia. O ato de fingir a todos um comportamento, porém sem tencionar estender o embuste a si próprio. Comportar-se de maneira oposta à que defende com unhas e dentes. Popularmente defendido pelo simpático eufemismo do "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço".

A alternativa D é a mais comumente adotada pelo ser human ordinário. E não o chamo ordinário com qualquer tipo de depreciação ou demérito. Ordinário enquanto comum. Quase todos temos algoi de hipócrita. Vez ou outra me encontro em situação de inevitável hipocrisia. infelizmente a vida nos impõe certas políticas às quais não temos forma de escapar e sacrificamos ideais menores buscando salvar grandes resultados.

A alternativa C é adotada geralmente por adeptos ao fanatismo religioso  ou por pessoas cujo constante fracasso tornou mas conveniente recalcar as vontades que, crendo eles não haver possibilidade de êxito, não mereciam nova tentativa.

Não cogitarei sobre a utópica alternativa A, pois não estou disposto a fazer citações a São Francisco, Gandhi ou Jesus Cristo. Quanto à alternativa B, poucos reais transgressores tiveram nobres intenções, relegando à sua imensa maioria o puro prazer na anarquia. Também não versarei sobre ela mais aprofundadamente por não desejar citar Che Guevara, Martin Luther King ou outros ícones do tipo, que existem, porém, dada a raridade dos mesmos, o simples pensar neles me mergulharia em tristeza.

A solução para isso tudo?
Complexo. Enxergo como única alternativa a boa e velha misantropia. Sem radicalismo. Não trato aqui do ato de detestar a tudo e a todos e sim no profundo desaprovar do escopo social mas sem usar do falso escudo de que "estou acima da sociedade". Fazendo isso estaria inserindo-me na sociedade pela sua via mais óbvia, a da hipocrisia. Preciso dela, apesar de não apreciá-la, posto isso construo meus nichos de convicência. Divido o mundo em pequenos guetos transitáveis,ornado de raros segmentos de seres humanos cujo convívio é aceitável. Antipatia seletiva, eis a palavra. 
Pedância? Jamais! há dias, e não poucos, que não tolero nem a mim mesmo e busco me isolar de mim. Fujo de mim em blockbusters hollywoodianos e, vez ou outra, chego à astúcia de me esconder em letárgicos sitcoms americanos. Felizmente não me encontro nesses dias, não sei o que faria comigo caso me achasse.

Misantropia virtual. Antropofobia diletante. Formas de conseguir conviver em socieade. Sem fugir dela. Sem fingir amá-la e sem pretensões de odiá-la.


"Não odeio as pessoas, apenas prefiro quando não estão por perto."

Henry Charles Bukowsky

sexta-feira, 13 de março de 2009

A ignorância é uma benção.


Bom. Há(muito bem aplicado) muito tempo eu venho pensando em uma questão que aflige a todos nós.
Ignorância. Se aplica de diversas formas essa palavra, especialmente aqui na bahia. Porém, o uso correto seria "ausência de saber". Muita gente usa como sinônimo de simples estupidez, quando na verdade são coisas muito distintas.

Eu, particularmente, respeito muito a ignorância e, em certos momentos, chego a desejá-la por demais. A ignorância concebida, pra princípio de conversa, é o início de toda a construção do conhecimento. Quantas e quantas vezes eu já vi - e certamente vocês também - alguém deixar de aprender algo por puro ódio e aversão à ignorância. "Já sei como é", "sim, sim, não precisa me explicar de novo", típicas frases de quem prefere o erro em momento final à ignorância em momento inicial. Essa sim, seria uma situação perfeita para usar a ignorância como sinônimo de simples estupidez. A sinonimia estaria incorreta, porém a aplicação estaria corretíssima.
Não estou aqui querendo pregar a humildade, ou a modéstia...longe disso, porém, o protocolo é óbvio "Não sabe, tem que aprender". Não é resignação é o simples processo de aprendizado.

Há também aqueles, que ao invés de odiarem a ignorância, a disfarçam de ódio.
É comum você ouvir frases como "detesto política", "odeio esse assunto". Tá bom, tá bom.

Certa feita saindo do trabalho, com um amigo, ocorreu uma cena que me remeteu às delicias da ignorância.

Vinha eu, calculando meu dinheiro. Pensando quanto eu deveria depositar na caderneta de poupança e quanto eu deveria disponibilizar pra gastos mensais, quando grita o Carlão.

- Hoje eu vou encher a cara. - dizia Carlão, encostado na barraca em frente ao prédio em que trabalhamos, já segurando a primeira cerveja.
- Carlão, porra, não tenho dinheiro pra beber até cair.
- Deixa de besteira, rapaz, eu pago. - diz, puxando a carteira com ares de novo rico.
- Que é isso, rapaz. Crise no mundo todo, demissões e mais demissões na empresa, faturamento caindo de monte. As expectativas cada vez piores. Você tem cabeça pra beber?
- Escuta - diz com a calma de quem está explicando - você tava numa reunião com o financeiro agora?
- Tava.
- Sabe quanto a empresa caiu de lucratividade?
- Sei.
- Sabe de quanto foi o corte da empresa?
- Sei sim. - Respondi, já querendo saber onde aquilo ia parar.
- Então rapaz, deixa eu, que não sei nada disso, pagar a conta.
- É, faz sentido.

Aí eu notei. O maior problema da consciência, não da consciência como logo nos vem à cabeça, o grilo falante ou o anjinho e o diabinho. Consciência mesmo, ligada co conhecimento, ao cogniscível, é que, ao momento que você passa a saber de algo, você desenvolve um compromisso com aquela coisa. Você não pode gastar tanto sabendo da crise global. Você não pode comer tanto sabendo que tem gente que passa fome. Você não pode fumar sabendo que causa câncer. Você não pode nem beber se souber que tem problema de estômago.

Eu não tenho problema de estômago. Posto isto, fomos beber.
Porém rumamos pra longe do trabalho. Eu não bebo em bares ou barracas próximas do meu trabalho. 

Maldita consciência.


terça-feira, 10 de março de 2009

Rigor Mortis

Estava eu há poucos instantes almoçando. Próximos a mim, uma turma de colegas de trabalho se ajuntava em torno de um televisor. Um apresentador vociferava jargões populares de um indizível grotesco ao que desfilava, tal e qual uma noiva - reduzindo apenas a semelhança, o fato de ter policiais e repórteres no lugar de padrinhos e testemunhas - um cadáver crivado de balas.
A exceção ficava realmente por conta somente, e tão somente, da mudança dos padrinhos e testemunhas, talvez faltasse também alguém jogando punhados de arroz, não me recordo. Assim como no casamento haviam parentes chorando e homens calados, temendo serem os próximos a protagonizar aquele espetáculo. No lugar do carro de "recém casados" havia a viatura policial.

Os telespectadores se aglutinavam em uma minúscula mesa, tendo à frente o momentaneamente ignorado almoço, assistindo à barbárie perpetrada com uma fúria semelhante à que o apresentador demonstrava ao narrá-la. Alguns viam a cena como quem estava sequioso de vingança, outros se reservavam a lançar um olhar circunspécto e de uma morbidez inerte.
A maioria, sem dúvida, era composta pelos vibrantes "torcedores do túmulo". Alguns literalmente riam ao ver o que "o crime" tinha feito com aquele sujeito. 

Vingança. Quem trabalha tanto para ganhar tão pouco vive sequioso de vingança. Uma vingança contra os que trabalham no crime e ganham muito mais do que eles, que tanto se esforçam para ser honestos, para sobreviver batendo os braços(sem bóias, muito menos salva-vidas) num oceano de adversidades. Os que já não vibram apenas analisam. Analisam a tênue linha que os separa daqueles que matam e daqueles que morrem, buscando se aproximar cada vez mais do que mata. Menos mau que seja dessa forma. - Pensa ele.
A diferença que poderia ser ponderada com mais lucidez é a existente - cada vez em menor grau - entre o criminoso, o crime e o fomentador do mesmo. A demanda pelo crime é cada vez maior. A felicidade daqueles que gritam ao ver o estropiado crivado de balas, alimenta esse mercado de sensacionalismo midiático fantasiado de jornalismo. Quem é mais culpado pela morte? Aquele que mata, aquele que participa do tráfico em razão da pobreza ensurdecedora ou aquele que, através da sua riqueza, desequilibra a balança econômica provocando essa pobreza?
Por outro lado, cabe pensar quem é mais reponsável pelo sensacionalismo midiático? O crime que assola a cidade, o "jornalista"(com corretas aspas) que se presta a praticá-lo ou a sociedade que, bem como no vampirismo, se alimenta do sangue que é vertido nas telas?

Falando em sangue, me vem à mente algo que sobremaneira me chamou a atenção. O sangue jorrava aos borbotões dos buracos de bala e o morto ainda se encontrava mole. Como sabem, a variar pela climatização, o rigor mortis chega ao morto dentro de 3 ou 4 horas passadas ao falecimento. A julgar pelos 40 buracos de bala(em média) no cadáver, pressupõe-se a  impossibilidade da polícia ter chegado à cena com o indivíduo ainda vivo. Ao chegar lá, a polícia ainda teve tempo de analisar a cena do crime, isolar a mesma e só então chamar a equipe de televisão, que prontamente chegou ainda encontrando o cadáver sangrando em abundância tamanha é a eficiência do sistema que alimenta o sensacionalismo midiático que hoje assola a televisão, colocando para escanteio o jornalismo informativo sério à base de pontapés.

Enquanto isso a sociedade engole o almoço com avidez inferior à que engole as informações sensacionalistas, e sem se preocupar com o sangue que permeia a cena de vingança e respinga nos seus pratos. A sociedade, morta há muito mais tempo que o cadáver televisionado, apresenta agora o rigor mortis através da impiedade com a qual torce para haverem mais e mais mortos que desfilem ante eles, alimentando a sede de vingança e mostrando a dureza do povo, refletida em programas de apelo popular.

Nesse momento o morto é carregado por dois policiais que o lançam dentro da viatura, molinho molinho.

sábado, 7 de março de 2009

Conte um conto e aumente um ponto.

Bom, sem mais delongas, escrevi um pequeno conto.

Uma historieta, com única intenção de entreter. vejamos se gostam.
Caso não tolerem, prometo postar coisa melhor amanhã.






Sexo e risada.

 

 

Eu e o Carlão estávamos rodando a cidade no carro. Nada demais pra fazer, apenas rodando a cidade. Era a época em que eu gostava muito mais da bebida do que de mim mesmo. Gostava mais da bebida do que do Carlão também, e ele era meu melhor amigo de copo. Não tinha grandes problemas em ser preterido também. Eu contra a cerveja, me parecia um duelo impossível de vencer.

Paramos o carro na frente de um posto de gasolina e saltamos pra beber uma gelada.

Ainda nas primeiras cervejas, quando não conseguíamos conversar direito – o papo sempre ficava mais interessante após algumas, quando finalmente o conteúdo abandonava a cena – eu enxerguei o aparelho televisor da loja de conveniência do posto.

 

Passava um programa voltado a coisa alguma, o público-alvo é o nada e apresenta um coquetel de futilidade, vez ou outra uma bandinha interessante e um convidado razoável, mas, ainda quando esses vão, são fuzilados pelas perguntas imbecilmente direcionadas pela mídia ou pelas perguntas vazias feitas pelos adolescentes, cuja perspicácia e sagacidade são embotados diariamente pela mesma mídia. Após a passagem pelo paredão, desacostumados com as balas, os melhores saem ainda mais escangalhados que os piores. É como a diferença de dar um soco na cara de um pugilista ou na cara de um modelo de passarela. Algusn já estão bem mais costumados a ouvir apenas “Como você faz pra manter esse corpinho?” ou “você ta namorando?”.

 

O programa seguia o seu ritmo, quando entra em cena a mais chocante figura, uma sexóloga que ria. Do outro lado da linha, um menino dizia que não conseguia transar, não conseguia manter o diabo da ereção. Já havia tomado viagra, comido ostra, amendoim com catuaba e tudo o mais, mas não adiantava. Súbito todos começam a rir e a sexóloga não foge à regra. Responde à pergunta do rapaz, com todo o conceito do mundo, porém, entre risadinhas e sorrindo. Sorria o tempo inteiro. A impressão que eu tinha era de estar vendo a uma tomada humorística do programa. Me veio à mente um dia que fui ao dentista e descobri que ele usava dentadura e nos dentes que restavam, tinha cáries. Nunca um tratamento de canal doeu tanto.

 

As primeiras cervejas fizeram efeito, e logo meti a mão no bolso, em busca da grana pra comprar mais. Imediatamente o Carlão me advertiu. – Nem pega essa grana. A cerveja aqui é cara feito o diabo. – Tirei a mão de dentro do bolso(sem a grana) e notei que as primeiras cervejas haviam mesmo iniciado o efeito.
Saímos do posto e um menino veio pedir um trocado. O menino pediu um real ao carlão, sujeito ruim de jogo. Não gostava de soltar a grana. O menino fez uma celeuma, contou a vida inteira, disse o quanto aquele um real seria importante pra ele, pelo amor de deus e tudo o mais que se possa pensar. O carlão olhou-o de cima a baixo e falou. – Não tenho o dinheiro, menino. – E ele partiu.

 

Chegamos ao próximo posto. Na televisão a sexóloga permanecia respondendo e sorrindo, mas a cerveja saia bem mais em conta.

Colei no balcão e pedi 3 geladas. Logo que pegamos as cervejas o Carlão virou e disse – Vamos lá fora, preciso fumar um cigarro.

Outro menino de rua nos avistou e colou ao nosso lado.

- Aê tio, arranja um real.

- Ta na mão, pivete. – Reponde o Carlão, lançando a moeda pra ele, como quem joga cara ou coroa.

O menino pegou a moeda no ar e se virou pra ele novamente. – Dá um cigarro tio.

- Não abusa, guri. – E ele deu as costas e saiu.

- Carlão, porra, porque não deu o dinheiro pro primeiro menino, achei que fosse contra esmolas.

- Você viu como ele pediu? Aquele primeiro real ia salvar uma vida, cara. Tinha uma porra de um contexto social. Eu não tinha aquele dinheiro, caro demais. Muita grana, muita grana.

- É, faz sentido. – E nesse momento eu entendi porque eu sempre conseguia conquistar as mulheres que eu tava pouco me fudendo, mas nunca conseguia conquistar as mulheres pelas quais estava apaixonado. Puta merda, fazia mesmo sentido.

 

Tomamos mais umas gelosas e eu pensava naquela merda toda. Lembrava perfeitamente de uma garota que eu tentei conquistar de tudo que foi maneira. Ela valia céu e terra pra mim. Eu comprei biscoitinhos, fiz poemas, dava os bons dias mais simpáticos do mundo. Daqueles que parecem que você tirou o seu bom dia para fazer o bom dia dela e ela sempre cagou pra mim. Quando eu me livrei do pesadelo que era estar apaixonado por ela, ela passou por mim.  – Bom dia. – Disse, mas o que ela queria mesmo era o meu bom dia. E eu respondi. – É, ta bacana. – Fria e secamente. Tomei todos os meus bons dias de volta e ela ficou toda derretidinha. Era o valor da coisa. Agora tudo faz sentido.

Tomei mais uma cerveja pra sacudir aquele pensamento longe da cabeça.

- Carlão, cara. Vamos comprar a saideira e ir pra casa?

- Claro cara, sua vez de pagar.

Entrei, comprei as duas últimas. Me aproximei do balcão.

 

A sexóloga ainda sorria.



quarta-feira, 4 de março de 2009

Pausa Poética.

Atrás de todo grande homem há uma grande mulher(no meu caso, o "grande" é apenas uma rica metáfora, grandeza inversamente proporcional aos 1,55 de estatura).

Acordei hoje tomado de paixão pelo meu amor, o que me suscitou um questionamento, e fez brotar uma poesia.
Ei-los na ordem supra-citada.

O homem raramente assume um caráter lírico, posto que só a mulher é treinada socialmente para amar. O homem deve ser sempre o ser funcional. A mulher o ser sentimental.

O homem, foi sempre o provedor. A mulher hoje, exerce também essa função social, estando então, submetida aos mesmos critérios, conceitos e , especialmente, pré-conceitos.

Por essa razão, há quem ache que a arte é mais digna quando diletante.

Os artistas - que sempre se propuseram a assumir abertamente o lirismo - foram ao longo dos anos, e ainda o são hoje, discriminados funcionalmente.
Eu considero a arte uma bela profissão, e enxergo que muitos que a discriminam hoje, têm no cerne do pré-conceito uma frustração, um desejo reprimido. Assim como muitos que desejam um filho artista enxergam nele o retrato do que não foram, e vivem na vida deles o que queriam para a própria. desde que o façam de maneira saudável, lembrando-se que os moldes não são deles, perfeito. Mas geralmente há o "desejar o melhor para o filho". E entram em cena os pré-conceitos.

Advogado, médico, engenheiro. Essas são as profissões sonhadas por pais. Dentistas, fisioterapeutas, arquitetos, são igualmente aceitas - muitas vezes como segunda opção. Muitas outras são pensáveis.  Artista, quase nunca. Artista geralmente é visto como aquele que não quer trabalhar.


Eu? Eu conheço muitos artistas que trabalham muito mais do que trabalhadores funcionalmente aceitos pela sociedade.
Não tenho intenção de tornar-me artista, nem tenho grandes pretensões acerca disso, porém, acordei hoje pensando na "minha artista", minha cantora, e eis que me vem um arrebatamento de romantismo. Tomado pelo sentimento de amor, vem a baia esta lírica.

Amor de três.

 

Primeiros momentos. É apenas cândida.

Sem formas e sem palavras,

Apenas sensações e descobertas.

Primeiros passos, finda-se o gatear,

O equilíbrio da menina é a queda do bebê.

 

Passam-se tardes ao parque,

Passam manhãs aos grupos,

Passam noites a estudar.

O furor da adolescente,

Aos arroubos, lança longe a menina.

 

Inocências de chocolate,

Fugas, pequenas mentiras

Que justificam novas grandes verdades.

A mulher imponente, rouba a cena

Embalando a restante puerilidade.

 

Jogos de cena no amor,

Atos encenados e assistidos,

O viver aprofunda o sono

Da doçura cândida,

Acalentada pela amarga maturidade.

 

Manhã de amor verdadeiro,

Juntos são doces e vivos,

Tarde cálida de paixões e planos.

Aos ruídos, desperta cândida.

Cai a noite, deitam à cama.

 

Cantam, riem e adormecem...

Os três.


Ângelo Correia Pinheiro




Espero que leias, e desta vez, comente. Meu amor. O que fiz pensando em ti, por ti, para ti.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Disciplina X Gênio

Estava hoje, em meio a uma conversa com um amigo de vida inteira - literalmente, já que ele era amigo de meu irmão antes mesmo do meu nascimento - sobre algumas coisas que tenho escrito. Alguma novas empreitadas que tenho feito em minha vida literária, dramatúrgica(recentes investidas, ainda não reveladas, vêm sendo feitas nessa área) e profissional, quando levantamos um ponto muito interessante. Ponto este no qual tenho me sustentado buscando lograr êxito. A disciplina.

Falando em disciplina foi inevitável chegar na realção do ser humano com a disciplina.
Digo mais, a maneira que o homem costuma imaginar que disciplina e talento não andam juntos. É o sonho do "gênio". Todos imaginam que o gênio não precisa praticar, ele simplesmente é gênio e acabou. Tudo o que ele fizer será genial. Tudo o que ele criar, independendo o esforço que ele empregar, será uma obra prima. A disciplina é logo associada ao menos talentoso, ao menos inteligente. Ao menos dotado. Eis aí o engano. 

Aptidão.  A aptidão nasce da fusão entre o talento e a disciplina. Quando vemos um verdadeiro gênio, apesar de ser inegável o fato de que ele nasceu dotado de um talento muito maior do que os outros, é indubitável que ele coloca o seu talento em prática diversas e diversas vezes até o nascimento de uma obra-prima. O talento gera uma propensão imensa ao sucesso, mas o que assegura o sucesso é a disciplina legitimando esse talento.
Pelé treinava horas e horas diárias antes de dar aqueles espetáculos que foram vistos e aclamados mundialmente. Picasso pintava doze horas por dia para desenvolver seu talento e dar à luz obras primas diversas, como o fez.

O sonho do gênio às vezes é tão inebriante que, ao atingir o nível do fanatismo, chega-se a duvidar que os "gênios ídolos" pratiquem o que fazem com tanta maestria. É como acreditar que mozart, aos 5 anos de idade estava jogando amarelinha, largou o seu pirulito, tomou à mão uma partitura e compôs um minueto para cravo.

Podemos chamar eles de inaptos por se esforçarem tanto? Ou é mais gostoso acreditar que só os burros têm disciplina? É corriqueiro você ouvir a frase "esse assunto eu nem vou estudar, já sei mesmo" em faculdades, ou ainda "eu trabalho com isso há 15 anos, o que é que você pensa que  ainda pode me explicar?". Sustentar a preguiça e o descaso nos alicérces do talento é vergonhoso.

Não me imagino gênio, nem ao menos me desejo gênio. Sei que só chegarei onde quero caminhando bastante, me esforçando muito e com muita disciplina. Quero ser apto a realizar tudo o que me for possível. Testando e explorando da melhor forma possível os talentos que eu tenho.

Estudemos, reciclemos, aprendamos dia a dia. Para que nossos talentos, moldados pela disciplina e cunhados no esforço, tornem-nos aptos, quiçá gênios.