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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Misantropia, aqui me tens de regresso.


Após uma pausa de festas de fim de ano, volto a escrever para vocês.

Sem mais delongas, segue um conto que escrevi de uma vez. Espero que gostem.

Ei-lo:



O Imbroxável.


Nesse dia, passei horas em frente ao computador. Nada.
Trabalhar com a criatividade é excelente, mas você tem que se adaptar a um estilo de vida bem diferente. Nada pode te abalar. Você não pode pensar em seus problemas enquanto cria um spot para vender uma nova linha de motocicletas - idêntica à antiga, mas em uma nova cor – quando precisa desenvolver um jingle para uma linha de shampoos que não oferece absolutamente nada de novo.
Você precisa esvaziar sua mente de todo e qualquer pensamento pesssoal, mas os meus pensamentos, nesse dia, me açoitavam sem perdão.
Súbito, o chefe abre a porta.

- Brother, já terminou o jingle? – Brother. Era como eu era tratado na agência. Brother, amigo, campeão. Dava até pra, com muito boa vontade, imaginar de fato uma amizade, mas é bem maquinal. Empresarial.
- Ta saindo. – Retruquei, com a criatividade escorrendo em largas gotas de suor pela testa.
- É pra ontem, campeão. Se a gente comer mosca outra agência tem a idéia e a gente perde o cliente. “Vamo lá, Vamo lá”. – E fechava a porta, não sem antes olhar todas as minhas idéias e taxar de triviais, óbvias.

Saí pra fumar um cigarro, tentar pensar. Mas, ao invés de pensar nos shampoos e nas motocicletas, pensava nos meus problemas pessoais.
Não podia pensar nos meus problemas. Tinha que criar uma ideia que levaria uma dona de casa a mudar de shampoo. Tinha que inventar uma forma de fazer um amante de motos optar por uma moto, apenas por esta ser lançamento. Ah, e amarela, claro. Precisava deixar de lado todos os meus problemas, todos os meus dilemas pessoais pra poder trabalhar criativamente. De repente me veio à mente a certeza de mais um paradoxo no qual estava envolvido. Precisava agir como uma máquina pra fazer a única coisa que elas não podem fazer por nós: Raciocinar.

Aquilo me afligiu a um ponto que eu voltei à sala, desliguei o computador e me preparei para sair.
- Meu velho, avisa ao “big boss” que eu saí e amanhã entrego tudo. - Falei ao diretor de arte enquanto checava se tinha dinheiro na carteira. Claro que precisaria de uma cerveja pra engolir esses pensamentos. Nada como uma boa cerveja para fazer um paradoxo descer garganta abaixo e sair na urina.

Tinha bastante dinheiro na carteira e, na mente, uma vontade imensa de me sentir humano. Precisava ver gente.
Fui a um daqueles barzinhos da moda ou “barzinho de paquera” como se chama.
Lá chegando, minha primeira visão foi ele, Carlão. Enquanto fumava seu cigarro e mamava em sua cerveja long neck, olhava para as mulheres que passavam, mas mirava apenas suas bundas. Não o flagrei olhar um único rosto, um cabelo, nada além das belas bundas.
- Quanto maiores melhores, vá por mim. – Falou Carlão, notando que fora observado e indo além, percebendo que eu atentava ao fato dele examinar unicamente as moças indo e jamais vindo.
- Grande Carlão. Sempre de olho na mulherada.
- Rapaz, que é que cê ta fazendo por aqui no dia da pegação? – Perguntou Carlão, me entregando uma cerveja, como de costume.
- Dia da pegação como, rapá? – Respondi a pergunta com outra, aliando a curiosidade do “dia da pegação” à vontade de não responder meu arguinte.
- Dia de sair acompanhado, pô. Quarta-feira. Homem que sai na segunda e na terça, certamente é comprometido ou cachaceiro, mulher nenhuma encosta. Quinta, sexta e sábado é pra quem gosta de farra de fim de semana. Não vale a pena a mulherada colar só pra um flerte a toa. Mas quarta? Quarta é “O dia”. Especialmente esse horário. Somos homens decentes, solteiros e que acabaram de sair de seus trabalhos para um happy-hour, certo? – Disse Carlão, com o seu cigarro firme no canto da boca enquanto a quimera nascia de seus lábios.
- Eu sim. Mas você? Você ta vindo de onde? Todas as suas “hours” são “happy”.
- HAHAHA. Muito boa essa, garoto. – Falou Carlão entre gargalhadas sinceras. – Mas quem sabe disso? Eu, você...alguma das bundas sabe disso?
- Cara, tratando mulher desse jeito, Deus vai te deixar brocha de castigo. – Brinquei, dando risada e pedindo outra cerveja ao garçom.
- Não tenho como broxar amigão. – Falou Carlão, com uma segurança de quem realmente nunca broxaria. – Olha pra aquilo ali. – Disse, apontando uma morena enorme com uma bunda ainda maior.
- Ta. Você não vai broxar porque a mulher é gostosa? É isso que quer sugerir?
- Claro que não. – Disse com mais uma grande gargalhada, como se cada tragada naquele cigarro inflasse seu peito com confiança. – Porque ela não tem detalhe nenhum. Sabe o nome dela?
- Não.
- Nem eu. E nem quero saber. – Enquanto falava eu sentia que a cada novo gole Carlão se enchia mais e mais de sabedoria popular. – Se eu colar nela, vou perguntar e ela vai me dizer, mas não porque eu queira saber, só porque é parte do jogo.
- Nossa meu velho. Quanta sabedoria. – ironizei, mas em verdade todo esse desprendimento exercia um verdadeiro fascínio em mim.
- Sério, rapaz. Você sabe onde ela mora? Se tem filhos? Quanto ela gasta em relação a quanto recebe? Quais os problemas da vida dela? – Disse com um sorriso que só dá aquele que obviamente sabe mais do que você.
- Carlão, me desculpe mas isso não faz o menor sentido. – Mas é claro que fazia, e, discordando das minhas palavras, o brilho nos meus olhos denunciava o quanto fazia sentido.
- Ta bom. Vamos a um exemplo que faça o “cabeção” entender. Num jogo de xadrez, sempre quem está de fora, passa apenas pra dar uma olhadinha, sabe como ganhar, certo?
- Aham, prossiga.
- É porque lhe faltam os detalhes. Ele não sabe quantas vezes esse jogador já colocou uma armadilha para o outro, não sabe quanto o outro jogador é bom, quantas vezes um já ganhou do outro, o que eles estão sentindo. NADA.
- É...faz mesmo sentido. – Falei, enquanto tentava me tornar sábio, virando mais uma cerveja e levantando novamente o dedo em sinal para o garçom.
- Então. Isolando os casos de baixa auto-estima, que gela a mão e amolece o pau, ou eventualidades absurdas, um HOMEM pode perfeitamente broxar diante de uma MULHER, mas jamais diante de uma bunda. – A forma com que ele enfatizava as palavras “homem” e “mulher” e suavizava na palavra “bunda”, deixava bem claro onde residiam os problemas e onde residia a solução. Ao menos para ele, e naquele momento, para mim. Mas ele ainda arrematou. – A bunda é uma mulher sem detalhes, sem problemas.
- É. – Virei a próxima cerveja.

Tanto eu quanto Carlão, calados. Ele observando as bundas e eu, envolto nos meus problemas e no meu paradoxo, só enxergava homens e mulheres. Mulheres que eu precisava convencer a usar novos shampoos e condicionadores e homens nos quais eu precisava criar uma necessidade de comprar motos amarelas. De repente Carlão se levanta, e enquanto vai, em direção a uma bunda, fala comigo:
- É isso aí, amigão. Esqueça os detalhes. Faça como eu, vá atrás das bundas. – Virou uma cerveja e encostou-se numa bela mulher de vestido curtíssimo amarelo.
Ela tinha uma bunda incrível e o vestido amarelo de tecido bem leve parecia colar ao corpo e realçava ainda mais as suas curvas que pareciam calculadas. Realmente seria muito difícil um homem broxar diante de uma bunda daquela dentro daquele vestido amarelo. Talvez broxasse diante de sua esposa que mencionou divórcio na última briga dentro de um vestido amarelo. Talvez broxasse diante da namorada que falou em ter um filho, a despeito das contas cada vez mais apertadas, com o mesmo vestido amarelo....mas diante daquela bunda, JAMAIS.
Carlão parecia muito bem. Sorrisos corriam soltos entre ele e a bunda de amarelo. Ele procurava ouvir pouco do que ela dizia. Gravar apenas coisas básicas. As outras apenas ouvir com um ar contemplativo simulando interesse.

Ao mesmo tempo que Carlão sai com a belíssima bunda, desfilando de um lado para o outro como se não houvessem problemas no mundo, eu saio com o meu paradoxo, minha moto amarela e minha linha de shampoos. Ele certamente não broxaria. Eu, infelizmente, já tinha informação demais.