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domingo, 1 de novembro de 2009

Ecologicamente...correto???

Bom, lá vou eu, me aventurando por um tema polêmico, sobre o qual fui inclusive advertido a não falar, pois por se tratar de um tema delicado eu podia ser entendido de forma incorreta. Ok, ok. Lá vou eu, de qualquer forma.



Continho (Anti)Ecológico

Estava eu um dia desses a abrir meus e-mails, despreocupadamente quando me deparo novamente com um e-mail(spam?) sobre a proteção dos golfinhos que são massacrados nas ilhas faroé(faroese islands, na Dinamarca). Não dei lá muita importância ao e-mail, como a todos os spams que recebo diariamente. Antes de fechar o e-mail, me impressionou uma lista de - ACRDDITEM - 1438 assinaturas virtuais, de pessoas de toda a parte do mundo. Apesar de suspeitar que uns 300 podem ter sido criados pelo originador do spam com a intenção de dar-lhe credibilidade, não deixei de me espantar com a força do e-mail. Continuei a faxina dos meus e-mails, passando por crianças perdidas que garantem ser filho do sobrinho de um colega, fotos de uma garota nua, que garantem ser de uma universitária da turma de medicina de 2009 na USP(mas tenho certeza de que já a vi em 2001 cursando fono na UFGV ou talvez em 2003 cursando psicologia na UEFS) até que cheguei finalmente ao e-mail que eu buscava. Um grande amigo tinha acabado de voltar do canadá e mandara o seu endereço a um seleto grupo de ex-colegas de colégio para uma reunião na sua casa. Ao localizar o e-mail, notei imediatamente que tinha também sido ele a me mandar o e-mail dos golfinhos na ilha lá da dinamarca. Por fim, ignorei o fato coincidente e segui ao encontro dos meus amigos.

Ao chegar lá, lembrei-me de como esse ex-colega era rico. Tratava-se de um daqueles prédios de 5 suítes, 1 apartamento por andar, cada um com uma varanda na qual caberiam o meu apartamento e o meu carro com uma certa folga. Ao notar essa disparidade, lembrei-me também que ele não era tão meu amigo assim. Sempre foi muito pretensioso, prepotente e esnobe. Impressionante como a ausência faz com que as pessoas nos pareçam mais nobres e amigáveis, isso, claro, sem contar a morte, que faz com que migrem de rematados canalhas a pessoas dignas de canonização com a velocidade de uma bala(ok, o trocadilho foi cruel).
Senti um forte impulso de ir embora, em especial quando vi um casal de mendigos que dormia à porta do prédio. A menina - a chamo de menina, pois aparentava ter no máximo 17 anos, o que, subtraindo-se os anos que o desgaste de uma vida nas ruas dá ao ser humano, deduzo que estava ela na casa dos quinze - apesar da tenra idade estava grávida, abraçada a um homem, supostamente o pai da criança ao menos para mim e talvez também para ele(quem sabe também para ela), encolhendo-se de frio embaixo de uma fina camada de jornais usados agrupados à guisa de uma manta.

Não tive coragem de subir imediatamente, na verdade a imagem dos mendigos nadando em uma gritante pobreza, era demais pra que eu aguentasse uma festa pomposa em meio ao esnobismo do recém-chegado ex-colega e ex-grande amigo. Telefonei avisando que não poderia ir, no que ele imediatamente me disse que não me preocupasse. Que mais tarde iriam todos a uma boate e se eu pudesse aparecer seria legal. Ok, disse eu e me esgueirei para o bar mais próximo. Uma cerveja, um cigarro e um pouco de silêncio eram tudo o que eu precisava para pensar um pouco na vida.
Sentei-me à mesa de um bar bastante próximo ao local do "crime" - obviamente enquanto "crime" refiro-me à pomposa festa dada na cobertura de um prédio onde vivia a família rica e tradicional do meu ex-colega e ex-grande amigo, na mesma rua onde reside a desconhecida e pobre família(?) de mendigos - na verdade escolhi esse bar pois queria continuar analisando as duas realidades, tristemente juntas. Queria ver a família dos mendigo e ao mesmo tempo saber quem entrava e saia da festa.
Reconheci alguns rostos, que chegavam em carros dando sinal de luz para o porteiro e soando os seus alarmes, fazendo assim com que o inevitavelmente ruim sono do casal de mendigos fosse perturbado vezes pelos sinais de luz e vezes pelo som dos alarmes.
Alguns davam-lhes moedas e notas de pequeno valor antes de entrar para a festa.
Comecei a pensar então, como a distância tem um poder grande poder de movimentar emoções. É praxe que perdoemos erros cometidos por pessoas que passamos anos sem ver, que estas nos pareçam mais caras e mais adoráveis. Isso sem mencionar os mortos aos quais temos quase uma obrigação moral de adorar, mesmo que tenhamos os visto poucas vezes e mal falado com eles. A distância, sem dúvida traz à tona uma grande carga de emoções. Os problemas distantes são sempre os mais fáceis de solucionar, já que temos sobre eles apenas a visão dogmática e panfletária do "certo e do errado", uma prática maniqueísta que nos deixa a uma distância segura o suficiente para julgar o desconhecido.

Tomei mais algumas cervejas enquanto observava o prédio de luxo. Reacendí na minha mente o fato de que fora ele(o rico ex-colega e ex-grande amigo) a mandar o e-mail das baleias piloto nas ilhas faroé. E comecei um jogo de ligar os pontos que segui fazendo do momento que paguei a conta até o momento em que fui deitar.

Ao chegar em casa, abri novamente os meus e-mails e notei que não apenas o dos golfinhos(que descobri serem baleias-piloto) como dois de crianças desaparecidas, um ensinando que não se pode fumar cigarro ao encher o tanque do combustível e o da universitária nua(sendo esse último irrelevante) haviam sido mandados pelo rico ex-colega e ex-grande amigo. Claro. Era a maneira de se sentir mais humano. Tratando de encabeçar listas de problemas que nos são completamente distantes. Fazer a nossa parte em relação à humanidade, à natureza, ao mundo, enfim.

Mais tarde, entre pesquisas na internet, descobri que a tradição de matança anual das baleias-piloto nas ilhas faroé começaram no ano de 1584, quando após um inverno EXTREMAMENTE frio houveram diversas baixas entre os habitantes da ilha e os mesmos decidiram que se encurralassem as baleias em um local propício, poderiam matar imensos cardumes(se é que pode existir um "cardume de mamíferos") de baleias-piloto, providenciando carne para o alimento e óleo para alimento, combustível que afastava o frio e outras coisas. Soube também que o número de mortes chega a no máximo 0.01 da população de baleias-piloto ao ano, o que é considerado "sustentável" até pelas instituições de proteção a baleias.

Por fim, enchi meu saco de toda essa pesquisa e já estava me preparando para dormir quando toca o meu celular. era o ex-colega e ex-grande amigo rico. Estavam na porta da boate onde eles pretendiam alongar a festa de reencontro e ele, naturalmente, pagaria tudo.
Neguei. já estava suficientemente bêbado e precisava dormir.

Por um minuto desejei que eles estivessem também suficientemente bêbados ou ao menos tivessem moedas e notas de pequeno valor suficientes para os mendigos na porta da boate. pior que a ressaca física é a ressaca moral.