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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Aqui me tens de regresso.


Caros amigos e seguidores do meu blog,

Meu atual envolvimento com o teatro está me tomando um tempo inacreditável, por isso fiquei realmente um bom tempo sem dar as caras, porém, estou de volta.

Queria pedir desculpas a vocês, mas anuncio que estou REALMENTE de volta e as atualizações voltarão a ser constantes.

Para a minha volta, segue um conto. Espero que gostem.

Abraços


Sabores

Acordei. Tive um sonho estranho sobre amizade. Na verdade é uma merda pra mim sonhar com amizade. No sonho eu reencontrava com os velhos amigos da época de colégio e das brincadeiras de infância. Lembrávamos da época em que brincávamos de esconder na rua, completamente despreocupados com o fato de estarmos na entrada de uma enorme favela. Uma das mais perigosas da cidade(naquela época ainda havia distinção entre uma favela e outra, hoje é tudo igualmente perigoso e fudido).

Nossa única preocupação era encontrar um bom esconderijo e tentar salvar todos no final do jogo. Eu tinha um ótimo esconderijo entre as latas do lixo. Eu ainda tinha nesses dias um forte instinto de preservação minha e dos outros. Não me incomodava o cheiro do lixo e eu ainda tinha esperanças de poder salvar alguém. Enquanto o pegador se esgueirava entre os matos que cresciam vigorosos e enormes à beira dos esgotos eu esperava a minha oportunidade de surgir do meio do lixo e gritar “1, 2, 3 SALVE TODOS”. E esse era eu, INTEIRO. Forte. Surgindo do lixo e salvando todos os meus amigos. Bons tempos.

No sonho que tive, todos ainda tínhamos a mesma energia. Conservávamos aquela força, aquele entusiasmo de quando brincávamos entre o mato crescente e os esgotos. Quando eles, perambulando capturados entre o mato, aguardavam que eu, tal e qual um herói, surgisse do lixo e salvasse todos. Mas esses amigos, na verdade, se tornaram em sua grande maioria ladrões de galinha, viciados em crack ou são apenas representados por um pedaço de mármore e uma coroa de flores secas e despetaladas no cemitério do campo-santo. Por isso, sempre que os encontro – Os sobreviventes, claro – é uma coisa estéril. Uma relação de desconfiança e ódio, onde de um lado alguém tem raiva de você por ter conseguido se tornar alguma coisa no meio de toda aquela merda e de outro lado você desconfia que aquele filho da puta vai te roubar ou te passar a perna na primeira oportunidade em que tiver. Nessas ocasiões até lembramos da brincadeira de esconde-esconde, mas lembramos com muito mais força do cheiro azedo do lixo, do fedor de fermentação do esgoto e do cheiro de merda que brotava entre o matagal. Ninguém se lembra do herói surgindo entre o lixo e eu já não quero salvar mais ninguém além de mim, fugindo o mais rápido que posso do meio desses filhos da puta.

O que é mais foda é que desperto desse sonho com todos os sabores da infância na ponta da língua e olho pra mim. Me enxergo hoje e todos os sabores ganham imediatamente o gosto metálico e inerte do eu atual.

Imediatamente me lembro de quando eu tive gengivite. Na verdade era gengivite ulcerativa necrosante aguda(GUNA) uma doença que só tem quem é imunodepressivo(como os aidéticos) ou quem se trata realmente muito mal.

Eu estava passando por um processo de franca auto-destruição, mas não me sentia mal. Estava num momento de conciência sublime. E quando atingimos esses estados de consciência e notamos a grande merda que o ser humano é, o ato mais digno que podemos ter é cometer uma auto-destruição semi-consciente. Eu bebia de segunda a segunda e fumava uns dois maços de cigarro por dia. Devido às fortes dores de cabeça da ressaca, me entupia de analgésicos toda manhã e naturalmente os remédios me deixavam ainda mais doente.

Minha imunidade baixou e eu conheci a GUNA. Meus dentes começavam a ficar expostos cada dia mais, à medida que as gengivas eram corroídas pela doença, mas eu não me sentia mal, pelo contrário, a exposição dos dentes me deixava com uma cara de mau, e eu adorava isso. Infelizmente as dores excruciantes acompanhavam a estética causada pela corrosão da gengiva numa progressão igualmente veloz.

Não agüentando mais fui ao dentista que me passou uma merda azul pra bochechar. Logo me avisou que entre os riscos que eu corria estavam o de ficar com os dentes escurecidos ou até azulados, a perda de apetite e ardência e formigamento nos lábios durante o tratamento. Fora isso havia também a certeza da perda do paladar, que poderia ser permanente ou durar apenas o tempo do tratamento. EXCELENTE, doutor, troquei um remédio que me deixa doente por outro.

Comecei o tratamento que me livraria da gengivite e todas as manhãs e noites eu bochechava com aquela merda azul.

Progressivamente fui perdendo o paladar. Um dia notei um sabor amargo enquanto comia uma pizza. Reclamei, disse que a pizza daquele restaurante era uma bosta e comecei a me exaltar. O garçom veio de lá correndo, perguntando se eu queria meu dinheiro de volta ou outra pizza, mas que pelo amor de deus calasse a boca porque estava atrapalhando o movimento do restaurante. Mandei ele à merda, peguei minhas coisas, um refrigerante em lata que eu ainda nem tinha aberto e caí fora.

Abri o refrigerante afim de enxaguar a boca e tirar o gosto amargo da pizza. Assim que coloquei o refrigerante na boca, senti o mesmo sabor metálico da pizza. Estava acontecendo. Já podia até dar adeus aos sabores da vida. Passando pela rua, vi um mendigo. Ele estendia a mão as que passavam e por vezes recebia algumas moedas que restavam desprezadas no fundo de alguma bolsa, outras vezes recebia um grito, um movimento de repulsa ou até mesmo um chega pra lá de alguns mais enfurecidos pelo seu mau-cheiro ou simplesmente pelo fato de ele existir tão pobre e sujo, naturalmente recriminando o fato de serem bem-sucedidos na vida.Aos dois tipos de tratamento o mendigo reagia de forma idêntica. Apenas se encolhia no seu cantinho, colocando-se na posição de “não reagente”. Para ele não havia bom nem ruim.

Segui pela rua dando pouca importância ao fato e com o passar dos dias o permanente sabor metálico do nada continuava a me perseguir. Pizza, feijão, carne, arroz, salmão. Qualquer merda que eu comesse era a mesma coisa. Não havia mais sabor, apenas o hábito de mastigar.

Nunca tinha notado que o ato da mastigação era tão nojento. Você mastiga algo até que se torne uma coisa mole e gosmenta. E engole. Com o tempo, já não fazia a menor diferença o que eu comesse. A comida era apenas textura.

Andando novamente pelas ruas, vi o mesmo mendigo que havia visto dias atrás. Dessa vez ele me chama uma atenção de forma especial. Continua sendo enxotado com a mesma naturalidade com que recebe ajuda. Não há diferença entre o escárnio e a esmola. É sempre uma relação estéril e fria. Sem alegria e sem tristeza. Sem sabor.

A poucos metros dele, há uma barraca de cachorro quente. Compro dois e entrego um a ele. Ele me fita com os olhos com um esboço triste do que seria um sorriso, mas não ousa agradecer. Sigo o meu caminho e dou uma mordida no meu cachorro quente. Mastigo, e enquanto ele se mistura com a minha saliva, formando um bolo alimentar espesso. Sinto lembranças de algo que eu gostava. Os pedaços de tomate, a forma com que o molho ajuda a hidratar a massa do cachorro quente. Mas logo vem o gosto metálico e me tira todas as esperanças. MERDA!


26 comentários:

Unknown disse...

depressivo, nojento e hipocondriaco. Mas...excelente texto gelouco!

Unknown disse...

Por minutos consegui me transportar para o passado... minha velha infância. A interrelação dos assuntos achei fascinante!! Sujo... sombrio... melancólico... saudoso.
Parabéns Angel!!!

heli disse...

Ângelo.
Faço parte do blog Chega Junto e tornei-me sua seguidora.Voltarei mais vezes para visitar seu blog.
Gostei muito do seu texto.Reporte-me à infância, com as brincadeiras inocentes, onde pairava alegria de poder brincar sem medos...
Fiquei curiosa em saber se o paladar voltou a funcionar direitinho...
Abraços

Tiane disse...

Que bom ver você escrevendo de novo aqui.
Mesmo não me fazendo morrer de rir dessa vez, e sim lembrando que existe um lado ruim da história.
Mas, como meu primo Boró sempre me diz: "Calma que a vida não é só isso não"

Unknown disse...

Finalmete consegui ler os seus contos...não todos os postados mas alguns...
Esse em especial me deixou impressionada, abismada, extasiada... é incrível a forma que tens de descrever e demoñstrar sensações tão intensas e fortes!!
Mto bomm!!!

Unknown disse...

Caraca , irado mano véio , só não gostei da parte dos alimentos la , comer feijão não da né mano !!! uahauhauh , mas zueira a parte o conto ficou massa , velho vc nunca pensou em escrever roteiro não ?!! fica a dica ai !! abraço

Carlos Albuquerque disse...

Venho agradecer sua visita ao meu blog e ter ficado seguidor.
Este seu blog "prende" pela ruiqueza dos textos que aqui encontro. Vejo neles um traço literário e jornalístico - viagens pela memória, reportagens da vida!
Estou aí já, também como seu seguidor. Vou colocar um link no meu para ficar sabendo quando você aparece.
Parabéns pela qualidade do seu espaço.
Um grande abraço

Wanderley Elian Lima disse...

Oi Ângelo, gosto do seu jeito de escrever, claro, objetivo com uma linguagem coloquial que prende a todos.
Obrigado pela visita ao meu blog e pelo comentário. Estou te seguindo.
Grande abraço

cristinasiqueira disse...

Que dor!
E apesar dela,a dor,escreves muito bem.
Penso que neste estágio do sofrimento o alívio vem da transcendência.
E você escreve.
Tem postagem nova no

www.cristinasiqueira.blogspot.com

Seja benvindo,

Cris

Sidney Andrade disse...

Hey, muito obrigado pelo comentário no meu blog!
Também vou seguir o seu, pela gentileza e porque também achei interessante o que escreves.
Grande abraço.

Unknown disse...

botou pra fuder. adore!

Jefferson Albuquerque FINO disse...

Isso ai mano, gostei bastante é sempre bom lembrar dos velhos tempos, ruim é saber que o crack está acabando com nossos amigos e com muitas familias, enquanto ao seu paladar da até pra fazer um RAP sinistro parceiro.

ISRAEL SARAIVA disse...

Salve! Salve! Meu herói! Fale sério Angelita dos patins, vc gostava mesmo era daquele "(...)cheiro azedo do lixo, do fedor de fermentação do esgoto e do cheiro de merda que brotava entre o matagal(...)" hein? bons tempos de mierda! rsrsrs... Forte abraço e parabéns pelo blog, ta show!!!

Anônimo disse...

um texto muito interessante, dissertado com melancolia, nostalgia e uma certa alegria. Sabe aquela alegria de saudade das dores do passado? Me remeti a isso!
Amargo ou não, a infancia tem seu sabor.
Abraço

Ira Buscacio disse...

Ângelo,

Magnífico!

A lixeira humana espalhada sobre as calçadas da cidade.

Nua e crua...

Que bom que voltou. Vou te linkar e acompanhar de perto esse trabalho bacana.

Parabéns e merda pra vc.

Bjão

Candice Morais disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Candice Morais disse...

Que bom que voltastes a esrever, meu amor!

Adorei este seu texto... sua cara: amargo, forte, cheio de palavrões, descritivo (fui à favela ao ler!) e de uma sinceridade que dói! rs

Continue com este quê de Bukowski, que eu adoro!

Sucesso!!

Respondendo à curiosa: sim, o paladar melhorou. Agora ele sente meu gosto... :P

Úrsula Avner disse...

Oi Ângelo,

Que bom que vc está de volta ! Legal saber que vc tem o teatro como atividade. Adoro artes cênicas !
Seu texto é criativo e apesar das muitas merdas, bastante apetitoso para quem lê... Obrigada pelo carinho em meu cantinho. Um abraço.

Lucas Ribeiro disse...

Muito legal cara, muito legal o modo de escrita man, mas o enredo é fuderoso, triste para caralho. O mendigo coitado todo fudido vai ficar feliz ou alegre por uma moeda, ou um hot-dog (angicanico hoje)... jamais. O que mais me desperta ao ler essa excelente escrita é que sentir emoções como raiva, alegria, rir ou chorar, acreditar ou não e Deus, se sentir no geral é análogo de ser um ser humano.

Massa ão deixe de escrever nao porra. Abração cara.

Gustavo Ramalho disse...

Bom que está de volta!! Mas sinceramente... não curti esse papo de gosma não...rs. Abraços!!!

Anônimo disse...

Que texto! Nem sei o que falar direito...risos... É a primeira vez que leio alguma coisa sua. Vou fazer outras visitinhas pra vc, ok? Adorei seu blog... Tudo de bom pra vc viu! Bjinhos...

Cristal

Valdeir Almeida disse...

Ângelo,

Senti sua falta na blogosfera. Fico muito contente por ter retornado.

Que nossa amizade virtual volte mais crescente.

Abraços e bom final de semana.

Emília Pinto disse...

Vim agradecer, Angelo por estar a seguir o começar de novo; já dei uma lida ao seu blog e voltarei com mais calma para continuar a leitura; já vi que tem temas muito pertinentes e interessantes. Espero que nos visite e fique fazendo parte do nosso cantinho; é com os amigos que nos visitam que ganhamis alento para continuar. Obrigada e que tenha um bom fim de semana.

Emília

Tânia Meneghelli disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tânia Meneghelli disse...

Olá!

Antes de mais nada, quero te agradecer por passar a ser um seguidor do meu blog. Pela qualidade dos seus textos, vejo que seu apoio será bastante importante pra mim.

Em relação a essa postagem, fiquei impressionada com seu poder descritivo. Essa é uma característica que admiro demais.

Muito interessante você citar os "sabores" da infância. Foi uma coincidência muito legal, porque nos últimos dias ando assim, com sensações que estão me rementendo a tempos passados também.

Adorei seu espaço e desde já me coloco como leitora assídua.

Parabéns!

Beijoca!

Jamerson disse...

Que maravilhoso retorno irmão, grande texto!

Que bom que voltou. Vc sabe que precisamos fazer circular as idéias, estava sentindo sua falta na blogosfera.

Grande abraço!