
Lá vamos nós.
Burro como estou, escrevo esse conto a vocês. E, com as graças da santa ignorância, segue ele, incolume. Sem ser maculado por um pingo de brutal sabedoria, como um Antoine que encontrou toda a sua felicidade, eis um conto burro, aos que merecem.
Eram 16:00 e alguns minutos, mas era noite. Na verdade era noite desde as 9 da manhã. Sabe aqueles dias dos quais o sol independe? Por mais que raie, a intensidade da noite é tanta que o suplanta sem luta.
Esse era o dia.
Andando pela rua, acordado desde as 06 da manhã desse dia dia noite, encontro Carlão.
Com um semblante preocupado carregando uma garrafa de vinho barato no sorriso e outra na mão,a do sorriso vazia, e a outra seguindo o mesmo curso, ele, sardônico, me saúda com a seguinte frase:
- Sabe que hoje, oficialmente, tentaram me marginalizar?
- Salve Carlão. O que manda? Marginalizar como, rapaz? - Perguntei preocupado.
- Você não sabe do que me chamaram hoje... – Falou Carlão, com o sorriso sarcástico no rosto, marcando uma crueldade forte demais pra ser expressa de outra maneira que não com graça.
- O que houve, meu amigo? Larga do vinho e me fala.
- Se largo do vinho estou fudido. Me chamaram de intelectual.
- Grande Carlão!! Intelectual. – Falei, compartilhando o sorriso cruel de Carlão, sem saber direito o porque. – Mas marginal porque? Ser intelectual deve ser bom demais.
- É limitador, porra. Imagine aí. Quanta coisa um intelectual NÃO pode fazer?
- Não pode?Como assim?
- Se eu aceitasse o fato de ser um intelectual, de que forma eu poderia seguir a vida? De que maneira eu ia prestar minhas contas? Quem é intelectual tem uma responsabilidade. É que nem virar adulto. Criança pode brincar, adulto não pode. Criança pode chorar, adulto não pode.
- Caralho, Carlão, que merda você colocou nesse vinho? – Perguntei rindo nervosamente, enquanto estendia a mão em direção à garrafa.
- Sério, meu velho. Você acha que, se eu aceitasse ser intelectual, eu poderia rir das coisas que rio?? E a consciência social? E o senso crítico?
- Porra, nada a ver isso. Não viaje pra outros planetas. - Falei nervoso, quase gaguejando. Engasgado em todos os livros esclarecedores que já havia lido.
- Velho. É sério. Pense bem. Quanta responsabilidade tem uma porra de um intelectual. É ofensivo. A ignorância é uma benção. Quem não sabe, não sofre. Quem sabe e conhece, sofre pelo seu e pelo dos outros. To fora. Passa o vinho. – Disse, me estendo a mão.
- Tem sentido. – Falei a ele, engolindo minha cultura em um longo gole de vinho, passei a garrafa.
- É uma merda, né? – Ri sofregamente. – Mas tem um segredo. Bebe mais.
- Dá essa porra aqui – Estendo a mão e tomo mais um largo gole de estupidez. Branda e macia burrice engarrafada. – Qual o segredo? Fala.
- Aceite NA HORA.
- Peraí. A história não era negar a intelectualidade, porra?
- Claro. Mas, pensando bem, quem seria burro o suficiente pra aceitar a intelectualidade de vez, assim? Pegou? – Disse Carlão, enquanto a minha mente começava a versar sobre burrices e inteligências. A consciência é um desperdício de energia vital.
- Uau. Profundo isso.
- Quem muito pensa, pouco vive...quer beber mais? – Emborca a paz em um canto, enquanto, protegido e trôpego, busca com os olhos outro libertário bar.
- Vamos lá. – Enquanto tropeço a caminho do bar, realizo que verdadeiro intelectuais, conscientes do que está acontecendo no mundo, não iriam beber às 17:30 de um dia de semana...Mas há muito era noite. E a voz precisava calar. Um drink certamente ajudaria.
Rumamos. Bebemos até quase raiar o dia em nós. E, finalmente, dormi sozinho.
27 comentários:
Já ta até chato ser tão repetitiva! Mas, não tem como não ser: muito bom, muito bom mesmo, o seu texto.
Oh irmãozinho...fico feliz com esse seu entusiasmo e sede pela escrita!! Já pensou em escrever um livro de contos?! Páre para pensar sobre isso!! Te dou o maior apoio para continuar produzindo e tendo sempre novas idéias!! Parabéns!! :)
Sabe, nunca pensei por esse lado, mas não é que o grande Carlão tem razão??!!
E que peso uma pequena palavra pode ter sobre nós, simplesmente incrível.
Sendo assim prefiro ser essa criança que entende o que está fazendo do que a limitação de ser uma intelectual, coisa que está longe de acontecer rsrsrsrs.
Você continua super ótimo amigo, meu orgulho!
carlão é O CARA manolo !! uahauhauhua , show de bola o conto ,vc tem é que começar a pensar num livro de contos ai né ?!! mas cuidado pra não virar intelectual de vez , uahuahauha
Burrice mais sensata do que esta estou para ver. rsrsrs
Um grande bj com muita liberdade e sem qualquer compromisso com a intelectualidade do ato.
deliciosa burrice que embriagada pela noite vira dia. bacana.
Parece que burrice não era com ele.
Pensando bem..o peso da palavra para muitos é dose!
bj
De fato, qualquer rótulo, mesmo que seja o de intelectual, é conservador, retrógrado, empobrecedor...Corresponde à morte da liberdade!
Sem dúvida, uma burrice!
Adoooooro Carlão, me faz lembrar Baudelaire! rs
Beijooooo! :)
Adorei o conflito entre a intelectualidade e a burrice. Seria hoje o intelectual aquele que se debruça num determinado conhecimento e deste semeia sua vida, ou seria aquele que de tudo entende um pouco? Não sei, mas acredito que o intelectual deva gritar para o mundo seu conhecimento, afinal para que guarda-lo e ainda dividi-lo apenas com uma pobre garrafa de vinho barato.
Bom conto parceiro, continue gritando sua intelectualidade para o mundo!!!! abração!
Fabricio Castelluccio
Sábia burrice de uma mente brilhante!
Bora filmar?????
Dimitre,
Rapaz, querendo...VAMOS FILMAR SIM.
Adoraria de verdade.
Abração
Ainda bem que vim aqui hoje!!! É que adorei este conto que, apesar de ironico tem muito de verdade. Ainda hoje apesar de vivermos em democracia, os politicos tentam manter o povo na ignorancia e adoram fazer festas, fogos de artificio, e outras burrices que nada de útil acrescentam ao povo, mas o povo gosta, dança, canta, bebe e assim não se preocupa com o estado da nação. Aqui e aí também, no tempo da ditadura tudo era censurado, as televisões, os jornais e rádios; andava tudo satisfeito, pois ninguém sabia das safadezas de ninguém, dos crimes e outros actos de violência, inclusive a doméstica que na altura abundavam. Actualmente não há censura, mas aqui os programs de televisão que dariam mais formação às pessoas passam à meia noite e mais tarde; claro quanto menos o povo souber menos reclama. O que interessa é que continuemos todos burros, pois os intelectuais dão muito trabalho. Parabéns pelo conto e vamos lá...olhos bem abertos e nada de burrices, pois o mar não está para peixes como se costuma dizer. Beijinhos
Emília
Oi ângelo,
Adorei o conto, mas avise o Carlão que, intelectual ou não, ele pode beber a qualquer: William Faulkner bebia, Hemingway tb. então vamos liberar para om Carlão.
Estou seguindo vc.
Bjkas e um ótimo final de semana para vc.
http://gostodistonew.blogspot.com/
Muita imaginação no ar. Muito conhecimento das voltas da vida.
Adoro a mente por trás do Carlão. Intelectualmente, é claro. rs.
A beleza da vida é aprender compartilhando ignorância. Quanto mais aprendo, menos eu sei. Salve Carlão. Sempre que termino de ler, me vejo um tanto embreagado.
a pior burrice é de quem acha que sabe demais.
abraços
billie
Uau Angel. Muito bom. Vc se supera cada vez mais!
Conheci sua página hoje,
tentei escrever sobre a burrice ontem, da burrice monótona como a paz e da burrice maior ainda, esbravejando sem razão como a guerra.
Eu não tenho como fugir da minha burrice, nunca quis e agora quero menos ainda.
Fico achando que a burrice do amor é inteligente, por isso ele tem tantas responsabilidades.
Como ninguém cumpre porra nenhuma mesmo. tanto faz
bela história. prato cheio para a vaidade intelectualóide.
Consciência, intelectualidade e cultura parecem ser inversamente proporcionais a felicidade plena.
Ignorância é uma benção apenas ao ignorante, um peso para os demais. o saber é por outro lado um peso ao ser....
Sábio, ou feliz?
Seria possível ser sábio e feliz?
Minha burrice (não total) me incomoda, e a minha infelicidade (não completa) também
É um prazer disinfiliz passar por aqui e ler tão belo conto. A leitura me fez viajar na história e pensar na mensagem, está genial.
Mas declaro publicamente que a frase "Não viaje pra outros planetas" NÃO pertence a Ângelo Pinheiro.
Por favor, dê os créditos.
Abraço imenso, meu irmao! E Parabéns!
HUAHUAUHAUHAHUAUHAHUAUHAHUAUHA
Verdade, verdade.
A frase pertence à nossa grande professora de teatro, Marta Sabback.
Créditos devidamente dados.
Grande abraço, Thiaguinho.
Sempre escrevendo ótimos contos!!
Salve, salve o Carlão!!!
Paraéns!!!!
Aloha, te encontrei na comunidade dos blogs literários, e sabe? Não me arrependo de estar aqui. Muito interessante e diferente de outros blogs que vemos por aí. Espero passar por aqui mais vezes... Avise-me quando tiver mais atualizações. Seguindo-te.
http://ariannecarla.blogspot.com/
"Com um semblante preocupado carregando uma garrafa de vinho barato no sorriso e outra na mão,a do sorriso vazia, e a outra seguindo o mesmo curso"
"Falou Carlão, com o sorriso sarcástico no rosto, marcando uma crueldade forte demais pra ser expressa de outra maneira que não com graça."
"A ignorância é uma benção. Quem não sabe, não sofre."
Muito boom isso Angelo....Essa foi exatamente uma discussão que tive com alguns amigos há algumas semanas, num bar às 16 hrs .
O pior disso tudo ..é que depois que vc sabe sobre uma coisa, não tem como deixar de saber...aí só tem uma coisa que se pode fazer...beber para se calar a tal voz!!
Amei!!!
Carlão me hj me lembrou Raul.
Primeiro por serem ambos apreciadores do entorpecimento alcoálico. E pela reflexão a respeito da burrice confortável e libertadora de responsábilidas...
Como diria Rauzito: "É pena eu não ser burro, não sofria tanto..."
Grande abraço!
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