Aqui estou de volta.
Amanheci com a inquietude de escrever, e decidi reativar o blog.
Espero que, os que me lêem, ainda que poucos sejam, apreciem meu retorno. E que tantos outros me comecem a ler.
Gosto de ler e escrever e a isso estou retornando.
Abastecerei semanalmente o blog, dessa vez é verdade.
Sobre a beleza e outras incertezas.
Amanheci, com a tradicional dicotomia me corroendo os neurônios.
Me senti péssimo quando notei que o sol me batia na cara, anunciando que eu dormira mais, MUITO mais do que deveria. Deveria porque?? O que me obriga a acordar cedo? Porque eu não posso acordar tarde sem sentir vergonha de mim mesmo porque tem gente trabalhando a essa hora?
Sento na cama, o suor escorrendo vagarosamente pela testa, preguiçosamente, como quem acaba de acordar e não tem objetivo nenhum para o dia, ele escorre dos cabelos até a boca, onde o sal da sua ociosidade me desagrada. Quando então me batem à porta do quartinho.
- Pode entrar, tá destrancado. – Grito de dentro, sem resposta.
Gira o trinco e o Carlão, sem dar bom dia, já entra falando.
- O ser humano é um puta de um bicho engraçado. – Fala enquanto acende um cigarro. Penso que deve ser o décimo cigarro do dia, quem sabe embalado já por algumas latas de cerveja matinal, quem sabe desde a noite passada de pé? E, inevitavelmente, como julga a humanidade, mesmo aqueles que dizem não julgar, penso – Que vagabundo. – Depois me cai a ficha. Acabei de acordar, de cuecas na cama com o suor me lambendo a testa às 11:30, como posso acusar alguém de vagabundo?
O suor escorre e eu sequer passo a mão para limpar, enquanto pergunto.
- Qual a graça, Carlão?
- Graça de que?
- Do ser humano, porra.
- Ah sim, é hilário, cara, hilário. Tem cerveja aí? – Jogando o cigarro pela janela sem se dar ao trabalho de apagar, ele abre minha geladeira, vazia como uma igreja. – Poots, tá al, hein? – Fazendo um esgar de nojo, observa quanto nada tem na minha geladeira.
- Parei de beber, porra.
- Uuuui, é o bacaninha agora? – Debocha Carlão, fazendo trejeitos de frescura. – Sabe o que a mulher veio me perguntar hoje de manhã? De manhã não, de madrugada, quando cheguei em casa, ainda bêbado? Essa é boa.
- O que, Carlão, fala. – Retruquei, ainda impaciente pelo suor proibido que me escorria a testa vagabunda.
- “Seja sincero. Eu sou bonita?” Olha que merda, meu irmão. QUE BOMBA! Sem enfeitar, sem fazer rodeio...assim como tô te falando. – Saca o segundo cigarro da carteira, acende e fita, pacientemente, a fumaça. – O que me diz?
- Cara, sei lá. Pergunta estranha pra se fazer de madrugada. E você, o que respondeu?
- Aí é que tá, - Levanta Carlão, com objetividade e determinação de político em comício. – Já tive namoradas horrorosas que achava lindas e namoradas lindas que não me diziam nada. Olhei pra ela e percebi que nunca havia pensado nisso. Nosso lance sempre foi outro. Respondi “Nunca tive tempo pra observar se você é bonita ou feia”. No que ela me correu de casa, na base da vassourada. Vê se pode cara, vê se pode.
- Porra, você nem disse que a mulher era bonita? Ela queria ouvir isso, Cara. – Respondi me achando sábio pra caralho, no alto das minhas cuecas e meu desemprego.
- Esse é o pulo do gato. A doida me pede sinceridade o tempo todo. Eu largo um PUTA DE UM ELOGIO e ela não entende. – Apaga o segundo cigarro num copo vazio, onde deixa a bituca, despreocupado.
- Elogio Carlão? Como essa porra é um elogio?
- Pensa, porra. No subjetivo. Se eu não tive tempo de achar ela bonita ou feia, significa que vejo nelas tantas outras razões para estar junto, que a beleza, nem importa, sequer tive tempo de notar.
- Caralho, Carlão. Romântico pra cacete. Explica isso a ela, mais tarde, que ela vai se derreter toda.
- E eu sou lá homem de voltar onde me botaram pra fora? Tomar no cú você e ela. E outra, vou sair daqui, onde não tem cerveja não me sinto bem vindo. – Diz, abrindo a porta, em franca retirada.
- Da próxima vai ter. Compro umas e deixo aqui pra quando você aparecer. – Minto para agradar.
- Sabe o que é mais engraçado? Ela é linda, cara. Só não tinha parado pra pensar. – Diz enquanto bate a porta. – Fui, e vê se compra cerveja da próxima vez, amigo de merda da porra.
Carlão saiu e me deixou, além do cheiro de cigarro e das cinzas no chão, um pensamento inquietante.
Quão paradoxal é o ser humano. Tenta, a todo tempo, objetivar o subjetivo.
Sou bonito, ou feio? Sou esperto, ou bobo? Sou vagabundo, ou não?
Se tudo é tão relativo, me questiono se em algum momento a namorada do Carlão vai entender o quanto foi bonito o que ele falou, ou se vai apenas se concentrar no que queria ouvir, enquanto pedia a sinceridade para a qual não estava preparada.
O subjetivo e o objetivo estão separados por um tênue, cortante e relativo “porquê”. Que pode pôr em cheque toda e qualquer certeza que dizemos absoluta.
Por que a mulher não seria bonita? Por que o Carlão não voltaria ao apartamento dela? Por que se pede a sinceridade quando se quer um agrado? Por que esse suor só me incomoda quando me salga a boca?
Pensado isso, finalmente limpo o suor da testa e falo comigo mesmo. – Você tá pensando demais. Precisa é de um emprego.